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22 de fev. de 2011

POEMA PARA A NOITE Maria Teresa Horta/DEA


POEMA PARA A NOITE

Maria Teresa Horta

Beijo
o à vontade das mãos
na imagem dos homens

O oceano
por entre o oceano

a paz estagnada
no contôrno dos espelhos

Beijo-te
na terra à secreção
dos passos

ódios redondos
acuado de seios

a noite na espessura
quente
das almofadas sem manhã

a imortalidade
abortada
que mulheres conduzem
prêsas
pelo ventre e saciadas
de filhos

Beijo
o absoluto contido
nos objetos sem casta

a incerteza branca
das paredes
imóveis

a insalubridade arqueada
no silêncio espêsso
das portas sem casas
com jardins malogrados
no início do nada
como se depois das vertentes
árvores fôssem
chuva
ou nuvens fôssem árvores

Beijo-vos
a todos por de dentro
dos lábios

as línguas da areia
nas bôcas das praias

golfos quadrados
de alvorarem
barcos

barcos erectos
agressivos de mastros

A cidade é nossa

Beijo-te
na cidade
nas ruas onde carros
são flores
que crescem em ruídos
de palmas

Beijo-te
na sêde aguda
que gaivotas têm de céu
e de estátuas

estátuas anemia
de cabelos
em patamares de doença

missivas acres
de grades aciduladas

a água é no princípio
das palavras

veia fechada
saliente nas rochas

água vertebrada
com pulmões escondidos

Beijo-te
na água de caules
sucessivos

O grito é um navio
perdido
na memória

Beijo-te
no vidro

searas verdadeiras
de cristal p'lo
ódio

a batalha é o azul
que deixamos atrás

Beijo
a súbita vontade
da vigília dos partos
os suicídios moles
com precipícios vastos

as pedras castradas
nas retinas dos
gatos

horizonte
na distância onde o crime
acontece nas lâminas

Fatos inconcretos
na geometria
do mêdo

as viúvas são laranjas
vestidas
de encarnado

Beijo-te
esquecida na vertigem
das algas

o vento é oblíquo
nas âncoras antecipadas

as lágrimas
são incógnitas
na orgânica dos sons

Introdução às pétalas
na urgência da glória

abelhas saqueadas
na saliva ruiva
em poentes sem vértice
a boiarem na pele rugosamente
opaca
da lua

A nossa vontade
é nos ombros das plantas
orvalho de febre sem objetivo

Beijo-vos
no bosque onde o animal

é a penumbra
e os joelhos da luz

cogumelos de asfalto
no centro de um inverno
sem notícia nem espanto

Beijo-vos
prolongada de gerações
em silêncio

é para nós agora
a vez
das planícies que erguemos
pelas ancas
na curva onde o hálito
é ansiedade no homem

são para nós
as notícias de mortes

necessárias
na simetria do espaço

Beijo-vos
nos pulsos de naufrágio
circulares

a onda é um motivo
assimétrico de revolta

Fronteiras mutiladas
cedo
rente aos cais

Beijo-vos
na vontade de recomeçarmos
os olhos

os cavalos
são paisagens
e o neon é um cavalo
de mergulharmos os dedos

Beijo-vos
a todos nos meus lábios
onde antiguidade de manhã
é gaiola insubmersa
de nunca existirem passos

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