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28 de out. de 2010


Cegueira das Paixões
As paixões do coração humano, como as divide e numera Aristóteles, são onze; mas, todas elas se reduzem a duas capitais, amor e ódio. E estes dois afetos cegos são os dois pólos em que se resolve o mundo, por isso tão mal governado.
Eles são os que pesam os merecimentos; eles os que qualificam as ações;eles os que avaliam as prendas; eles os que repartem as fortunas.
Eles são os que enfeitam ou decompõem; eles os que fazem ou aniquilam; eles os que pintam ou despintam os objetos, dando e tirando a seu arbítrio, a cor, a medida e ainda o mesmo ser e substância, sem outra distinção ou juízo que aborrecer ou amar.
Se os olhos vêem com amor, o corvo é branco; se, com ódio, o cisne é negro. Se, com amor, o demónio é formoso; se, com ódio, o anjo é feio. Se, com amor, o pigmeu é gigante; se, com ódio, o gigante é pigmeu. Se, com amor, o que não é tem de ser; se, com ódio, o que tem de ser e é bem que seja, não é nem será jamais.
Por isso, se vêem, com perpétuo clamor de justiça, os indignos levantados e as dignidades abatidas; os talentos ociosos e as incapacidades com mando; a ignorância graduada e a ciência sem honra; a fraqueza com bastão e o valor posto a um canto; o vício sobre os altares e a virtude sem culto; os milagres acusados e os milagrosos réus.
Pode haver maior violência da razão? Pode haver maior escândalo da natureza? Pode haver maior perdição da república?
Pois tudo isso é o que faz e desfaz a paixão dos olhos humanos: cegos, quando se fecham e cegos, quando se abrem; cegos, quando amam, e cegos,quando aborrecem; cegos, quando aprovam, e cegos, quando condenam; cegos, quando não vêem e, quando vêem, muito mais cegos ".
Pe. Antonio Vieira


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